segunda-feira, maio 21, 2007

Ensaio sobre uma troca de olhares.


Luto por me manter à tona...
no entanto, a corrente arrasta-me impiedosamente como que insatisfeita por não sucumbir diante das suas investidas.
Não sei como aqui vim parar, porém a frieza áspera e aguçada das rochas mantém-me consciente de que nada é mais importante do que concentrar-me neste momento, naquilo por que estou a passar. Os pensamentos vagueiam, não o consigo evitar, mesmo que por vezes sejam dilacerados pela dor alucinante de um rasgão directo no coração.
Coração?! O meu coração?! Será que?!...
Não. Está normal. Um pouco alterado, mas sem sinais de rasgões visíveis. O meu corpo seco. Levanto novamente a cabeça, um pouco mais descansado, e eis que me encontro novamente num rápido. Desta feita a corrente ficou ainda mais forte, mais intensa. Os obstáculos aglomeram-se deixando a passagem cada vez mais estreita, a dor regressa e com ela a incapacidade de me manter à tona. Respiro da forma mais profunda que consigo sempre que volto à superfície, mas é cada vez mais difícil, o peso no peito, do cansaço e da falta de oxigénio torna cada vez mais claro o final deste percurso. Vejo as árvores a passarem num frenesim, os seus galhos a dançar suavemente em jeito de despedida. O murmúrio da água lembra um riso que cedo se transforma numa gargalhada... uma cascata aproxima-se.
Onde estou agora?! sinto uma superfície composta por pequenas pedrinhas, tão pequenas que me escapam por entre os dedos tal como as forças me escapam enquanto luto por me levantar. O destino cruel aproxima-se, será a última vez que sinto este fantástico odor a perfume digno da mais bela das primaveras?!
Olho para a água a passar numa sensação de calmaria aparente, mas os ecos da cascata continuam bem presentes. Está na hora, saio do comboio na última estação, poucos metros me separam do local de trabalho. Olho de relance para trás e lá está ela, sorrindo para mim enquanto desaparece em direcção ao Metro. Parece contente com o estado em que me deixou...
Dificilmente esquecerei aquele olhar.

11 comentários:

Soler Spot disse...

Até me saiu uma gotinha. Bela prosa que praqui vai. Muito bem. Gostei e por acaso até me identifiquei. Elas devem sentir o mesmo qd trocam de olhares com um velho lobo do mar como eu ;).

A sério, sério, isso do olhar é tramado pois o olhar é na minha opinião a arma mais poderosa e contudo a mais simples que elas têm para usar em nós.

Anónimo disse...

O que uma troca de olhares é capaz de fazer…
Envolver-nos numa autêntica luta entre o real e a fantasia…
Faz-nos entrar em loucura, apetece-nos voar para nos perdermos naquela luz.
Mas depois acordamos, batemos com a cabeça, pensamos que foi um sonho, não pode ter sido… foi tão real…

Na realidade, acabaste de me apaixonar neste teu turbilhão (adoro esta palavra) de sentimentos difusos, dispersos.
E gostaria de ter a honra de ter uma troca de olhares cm esta ctg…
Bjs

PS - e com tudo isto so me pergunto, o q teria acontecido se a rapariga te tivesse tocado...era um explosão, n? ;P

Parrachanderson disse...

Por vezes um olhar pode ser muito mais intenso e propenso a um vaguear nas asas de múltiplos sentimentos do que um acto mais físico.

É óbvio que no seguimento deste olhar se houvesse um contacto físico, em principio a expectativa seria de superar ainda mais... quem sabe não terminava no leito do rio após ter rodopiado até ao mesmo por um redemoinho?! apraz-me pensar que sim, no entanto, assim também não estou mal ;)

Joparracho disse...

Epá! Muito profundo! O que posso dizer que se adeqúe e que seja também bastante profundo? ... ... hummm ... ... ... ...já sei! A GÁIJA DEVIA SER MEMO BOA!! :)

Gata disse...

Uii! A primavera andar por aí mesmo em dias de chuva!!
Também gostava de me cruzar com olhares assim para sair um pco da rotina e desenvolver a mente para a escrita... =p muito bonito!

Parrachanderson disse...

Obgd kitty. Tu como felina que és, deves é deixar uns quantos desgraçados a deambular por rápidos. ;)

Anónimo disse...

Uiii... que poético que me andas a sair!!! A esta tb te eskeceste de pedir o número de tlfn... não aprendes, pois não? ;p
Nem com as nossas conversas profundas que só os nosssos elevados QI's alcançam, nem assim tu te emendas!
Já não sei o que te posso fazer mais... se calhar só se te lançar num universo musical que é para ti desconhecido! Hehehe ;)
Beijooooos***

Soler Spot disse...

O Parrachanderson a não pedir contactos é do melhor - depois têm de andar os amigos dos médicos a tratar desses problemas que por sinal acabam por ser problemas médicos.

Já agora Ana q música é essa de q falas. A única q eu sei q o Parrachanderson, não tem mesmo conhecimento é de Kisomba, sim pq até Kuduru já eu vi o rapaz a mexer.

Roxanne W. disse...

bem bem meu caro...aí está a prova de um belíssimo texto...inspiração e a magia da primavera :)

Anónimo disse...

Caramba! Ainda hoje me aconteceu isso no metro, e a unica coisa que me ocorreu de todas as vezes que a gaja se riu foi que seria de mim e nao para mim.
A tua foi muito mais divertida!!!

Anónimo disse...
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