
Luto por me manter à tona...
no entanto, a corrente arrasta-me impiedosamente como que insatisfeita por não sucumbir diante das suas investidas.
Não sei como aqui vim parar, porém a frieza áspera e aguçada das rochas mantém-me consciente de que nada é mais importante do que concentrar-me neste momento, naquilo por que estou a passar. Os pensamentos vagueiam, não o consigo evitar, mesmo que por vezes sejam dilacerados pela dor alucinante de um rasgão directo no coração.
Coração?! O meu coração?! Será que?!...
Não. Está normal. Um pouco alterado, mas sem sinais de rasgões visíveis. O meu corpo seco. Levanto novamente a cabeça, um pouco mais descansado, e eis que me encontro novamente num rápido. Desta feita a corrente ficou ainda mais forte, mais intensa. Os obstáculos aglomeram-se deixando a passagem cada vez mais estreita, a dor regressa e com ela a incapacidade de me manter à tona. Respiro da forma mais profunda que consigo sempre que volto à superfície, mas é cada vez mais difícil, o peso no peito, do cansaço e da falta de oxigénio torna cada vez mais claro o final deste percurso. Vejo as árvores a passarem num frenesim, os seus galhos a dançar suavemente em jeito de despedida. O murmúrio da água lembra um riso que cedo se transforma numa gargalhada... uma cascata aproxima-se.
Onde estou agora?! sinto uma superfície composta por pequenas pedrinhas, tão pequenas que me escapam por entre os dedos tal como as forças me escapam enquanto luto por me levantar. O destino cruel aproxima-se, será a última vez que sinto este fantástico odor a perfume digno da mais bela das primaveras?!
Olho para a água a passar numa sensação de calmaria aparente, mas os ecos da cascata continuam bem presentes. Está na hora, saio do comboio na última estação, poucos metros me separam do local de trabalho. Olho de relance para trás e lá está ela, sorrindo para mim enquanto desaparece em direcção ao Metro. Parece contente com o estado em que me deixou...
Dificilmente esquecerei aquele olhar.